Páginas

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Brincando de bolhas

Já decidi. Vou usar estas linhas para contar um segredo meu, o qual, na verdade, eu gostaria de ocultar. O poeta Fernando Pessoa já dizia que não conhecia ninguém que tivesse a coragem de confessar uma infâmia, mas eu quero ter essa coragem. Antes de contar meu segredo, porém, quero convidar você a refletir um pouco sobre a vida.

Certa vez, há alguns anos atrás, tive que ficar internado num hospital por causa de uma cirurgia. Deu tudo certo, graças a Deus, mas tive que ficar oito dias internado, sem quase nunca poder ver a luz do sol ou caminhar livremente. Quando saí daquele lugar, contudo, pude experimentar sensações que jamais havia sentido: o prazer de ficar sob o sol ao ar livre, a sensação deliciosa de caminhar pelas ruas da minha cidade, a alegria de tomar um banho de chuveiro.

Daí, alguém poderia me perguntar: “Quer dizer que você jamais havia ficado sob o sol, caminhado pela rua ou tomado banho antes de ficar internado nesse hospital? Faz sentido você precisar de internação...” – e aquele sorriso irônico no rosto. Mas, não, não é questão de falta de higiene ou coisa assim. O caso é o seguinte: é claro que eu já havia feito tudo aquilo. Porém, não da maneira com que o fiz depois daqueles oito dias de clausura entre as frias paredes do hospital. Permita-me explicar melhor.

Você certamente já ouviu alguém falar: “A gente só dá valor às coisas quando as perde”. Eu concordo. Antes daqueles oito longos dias, eu jamais tinha pensado no quanto é prazeroso simplesmente ficar sob o sol, até o momento em que isso foi tirado de mim. Na hora do banho, devido à cirurgia, eu não conseguia me levantar do leito. Quão precioso se tornou, naquele momento, um simples banho de chuveiro! E quanto a caminhar por aí? Ah, era o que eu mais desejava...

Caminhadas à parte, acho que já é hora de contar o segredo que prometi no começo deste texto. Promessa é dívida, então lá vai: Eu, em plena fase adulta, gosto de brincar de soprar bolhas de sabão nas horas livres. Sim, confesso, e não posso esconder que sinto um pouco de vergonha enquanto escrevo estas palavras... E sim, é coisa de criança. Pode rir. Mas quando vejo as bolhas surgirem ao meu sopro, tão coloridas e bonitas, isso me faz lembrar de tomar banho e caminhar ao sol...

Essas coisas simples e corriqueiras são como as bolhas de soprar, que num momento aparecem no ar e logo desaparecem. Nós costumamos valorizar apenas os “momentos especiais”, esquecendo-nos de sermos gratos pelos momentos que se repetem todos os dias, mas que são essenciais. Você pode se lembrar com gratidão do dia em que ingressou à universidade, ou do dia do seu casamento, ou mesmo do nascimento do seu primeiro filho. E isso é ótimo. Entretanto, precisa valorizar o seu dia de hoje, ainda que nada extraordinário aconteça. Este dia “normal” que estamos vivendo agora, é feito de tempo, o mesmo material de que é feita nossa vida.


Divirto-me bastante ao fazer bolhas. Ainda mais quando algumas crianças vêm para brincar. Quanto mais elas se alegram, mais bolhas eu faço. A alegria que transmitem enquanto brincam é uma grande lição para mim: jamais quero deixar passar sequer um minuto, ainda que efêmero e corriqueiro, sem tratá-lo como o melhor momento da minha vida. Assim, tenho certeza de que a Vida me soprará muito mais bolhas para eu brincar.  

(Texto originalmente publicado no jornal Diário do Sudoeste da Bahia).

2 comentários:

  1. Me lembrei de:

    "Sentado na calçada de canudo e canequinha
    Tchuplec Tchuplim
    Eu ví um garotinho
    Tchuplec Tchuplim
    Fazendo uma bolinha
    Tchuplec Tchuplim
    Bolinha de Sabão"

    rs... Parabéns amigo pelo texto. Vc escreve muito bem!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eita, viajei agora até a minha infância! hehehe
      Obrigado, Polly! Muito sucesso na sua vida!

      Excluir